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      Diversidade sexual

   
 

 

 

Realização das performances: 31 de julho e 01  de agosto de 2004
Exposição: 11 a 15 de agosto de 2004 – Londrina



Esta performance foi realizada dentro do evento Mix Brasil – Festival da Diversidade Sexual - Edição Londrina, organizado e produzido pela Associação Londrinense Interdisciplinar de AIDS - ALIA e contou com a participação de cerca de 50 pessoas ligadas ao evento, a maioria portadores do vírus HIV.

Nesta ação, havia a necessidade de cuidados especiais, principalmente pela condição de saúde da maioria dos participantes. Por essa razão, utilizamos, como proteção, um óleo corporal para ser aplicado na pele antes da tinta. Este cuidado foi incorporado nas ações posteriores. Também foi previsto um grupo de apoio para ajudar nos banhos.

Artistas, alunos, professores, o pessoal do Atelier de Fotografia1 e da Oficina de Artes Visuais2 foram convidados para participar da ação.

A professora, doutora e pesquisadora da área de música da Universidade Estadual de Londrina, Fátima Carneiro dos Santos, realizou uma paisagem sonora a partir das ações dos dois dias. Ela acompanhou os momentos de produção fazendo um passeio, com seu gravador, pelo meio das pessoas, no banho coletivo e nos outros momentos da performance. Após a ação, Fátima finalizou seu trabalho em um estúdio, editando o material e construindo 31 minutos de Fragmentos de Paisagem Sonora

Fátima apresentou um artigo sobre a composição da paisagem sonora, realizada durante as performances, em 2006, durante o evento XVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Música – ANPPOM, em Brasília. Os desdobramentos realizados por outros artistas são linhas de fuga que remetem a outras, permitindo a expansão do rizoma, multiplicidades.

Em seu texto Fátima relata:

 

   
 
 
   
 
 
   
 
   
 
 
   
 
   
 
   

Ao chegar, no primeiro dia, ao local onde ocorreria a ação performática, a maioria dos participantes já havia chegado. Formou-se uma roda e Fernanda leu um texto, apresentando a idéia do trabalho e dando algumas informações do que poderia acontecer daquele momento em diante. Munida de meu MD, fone de ouvido e microfone, iniciava as gravações logo que ela se apresentava ao grupo. Cada participante também se apresentava, contando o porquê de estar ali e falando sobre qual parte de seu corpo seria doado. Depoimentos emocionados, brincalhões, curiosos foram se revelando, e, pouco a pouco, as pessoas foram se despindo de sua timidez. Quando questionada, respondi que doaria minha escuta e continuei gravando: falas, risadas, silêncios, músicas que tocavam num aparelho de som, vozes sussurradas, ruídos externos, latidos de cachorros, som de carro, avião, água saindo da torneira e também do chuveiro, quando algumas pessoas iam se lavar para tirar o excesso de tinta do corpo. No segundo dia o processo não foi muito diferente, mas, pelo simples fato de ser um outro grupo, uma outra paisagem sonora emergiu.

Após dois dias de gravação, estava de posse de um rico material sonoro que foi exaustivamente escutado, até que alguns momentos das paisagens sonoras começaram a ‘saltar aos olhos’. [...] A imagem que me veio, no momento em que escutava o material, foi a de um ‘tecido’ sonoro, composto por vários fragmentos, costurados entre si, que remetia à escuta dos dois dias de gravação. [...] Mas mais do que uma simples costura entre um e outro fragmento, um jogo entre forças sonoras se estabeleceu ao longo do processo de criação. [...] foi utilizada uma técnica composicional bastante simples e transparente, mas que permitiu a atualização de um jogo sonoro dado num plano de composição. Esse jogo desvelou não apenas uma narração de situações sonoras ocorridas nas performances, mas também uma paisagem-música, que, ao mesmo tempo que possibilitava uma escuta contextualizada, tornando audível o relacionamento entre o som e sua fonte, informando ao ouvinte a situação temporal e espacial da paisagem sonora original, possibilitava também outras escutas, para além da simples referência; escutas que permitiam a suspensão de qualquer juízo e apenas jogavam o “jogo de conectar sons” (FERRAZ, 2005). Música!?

 
 

O videomaker Luciano Pascoal realizou um vídeo com a duração de 60 minutos, o qual foi apresentado sem edição, como um olhar que passeia pelo meio da ação, entre produções, conversas paralelas e outros momentos captados.

Eduardo Dias e Zu Macedo, produtores do evento, fizeram pela primeira vez um vídeo, com equipamento emprestado de uma amiga. O trabalho é exibido sem edição, com 60 minutos de duração.

Rudyard Gabriel Couto realizou um terceiro vídeo a partir da edição de imagens captadas por ele, com 6:52’ minutos de duração. Nele Rudy trabalhou com imagens e palavras que se sobrepõem e fragmentos da paisagem sonora realizada por Fátima.

A fotógrafa e aluna do Atelier de Fotografia, Graziela Diez, produziu mais de mil fotografias digitais e também utilizou uma segunda câmera, uma máquina compacta de visor direto, com quatro diafragmas independentes que realizam, no mesmo fotograma, quatro fotografias, em seqüência, no intervalo de um minuto. Graziela tem seu foco nos detalhes e nas transparências.

Fábio Gatti, aluno e assistente do Atelier de Fotografia, fez mais de duzentas fotografias, com ângulos abertos que mostravam as ações em cenas inteiras, compondo com o ambiente, e detalhes em closes dos corpos pintados nos momentos de suas impressões.

Os artistas Cláudio Garcia, Miriam Debértolis, Madalena Debértolis e Edna Dias, da Oficina de Artes Visuais, produziram gravuras em metal, desenhando durante a ação, sobre as chapas de metal preparadas. Posteriormente, no espaço da Oficina, eles finalizaram os trabalhos. As gravuras foram impressas em papel e em tecidos.

Karen Debértolis e eu também realizamos fotografias, além das pinturas e impressões.

Cristiane Demétrio Ferreira participou doando fragmentos de seu corpo para a impressão e, depois, fez um relato sobre sua participação na ação, o qual transcrevo abaixo.

 
   

Dei. A cara, os peitos. No tecido imprimi a minha expressão visível. Meu rosto, minha boca sisuda – normal meu jeito, estilo, puro ego. Tive que me encarar. Ombros fechados. Estou corrigindo a postura, abrindo mais. Quero viver mais para fora. Reflexo do corpo e da alma, o lençol é um espelho. A pélvis no tecido. Bonita bocetinha. Ousada, viva, resolvida. Meu corpo em reconstrução. Minha casa mais íntima. Eu inteira por dentro e por fora nos tecidos, nas fotos, no vídeo. Esconder-me e aparecer eu quis. Corpo, sentimento, sacramento. Sempre me lembro de rezas. Lembrei-me dessa, quando Jardelina da Silva se foi: “Oh meu Jesus perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente aquelas que mais precisarem. Oh Maria concebida sem pecado, rogai por nós. Recorrei-nos a vós”. Quem tá na chuva é para se molhar. VOZ, CORPO, MENTE, ALMA, OLHO, ROSTO, BOCA, GENITÁLIA – RECONSTRUÇÃO.  As vísceras também compõem o todo de um corpo e não são filés. Sexo, gozo, vontade, instinto, id. Exu, diabo, polução – corpo aberto. No vício da existência vivo para dentro como vivo para fora. A ansiedade, minha casa, meu corpo, minha intimidade. Meu cotidiano. No espelho me olho vejo meu corpo, meus peitos, minha boceta. Reviro-me ao avesso. Excitada, babada, gozada. Racha vem a mim. Espelho. Tropeço no meu dia. Paro pra pensar no inexistente. Sacanagem, vagabundagem, flor da pele. Tecido, lençol, impressão. Sou mulher e meu ventre suporta, filtra e transforma os acontecimentos. Marcas da vida em um lençol. Sou contemporânea. Livre, globalizada. Xô governo, a sociedade civil é quem manda agora. Sou contemporânea sim, mas já bebi coca-cola Família Nuclear de vidro que se quebrou.

 
 

A ação resultou em sete lençóis impressos, dois vídeos registros da ação, um vídeo registro da exposição, gravuras, mais de mil fotografias, 31 minutos de paisagem sonora e um relato escrito. O material finalizado foi exposto durante o evento em Londrina, dez dias depois da ação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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1. O Atelier de Fotografia é um espaço que reúne fotógrafos interessados em pesquisas na área de fotografia, em meu ateliê de trabalho, desde 1997.

>A Oficina de Artes Visuais, em Londrina, foi um espaço que reuniu artistas e interessados nos debates e na produção das artes visuais, especialmente a gravura e o desenho, coordenado pelo artista plástico Cláudio Garcia, e que encerrou suas atividades no final de 2007.

 

fernanda magalhães