Pela Fotografia

 

Imagens. Pensar livremente a fotografia, como eu a sentia e via. Sempre pensei fotografia como arte, nunca a considerei somente como um registro da realidade.

A máquina Polaroid foi a minha primeira câmera, depois dela tive uma câmera Reflex sem fotômetro. Entender a luz para fotografar, no “olhômetro”, levou-me a  inúmeras investigações e aprendizagens através da prática. As aberturas de diafragma, as velocidades do obturador, as diversas lentes e os resultados como foco, nitidez, forma, cor, composição, sombras, borrões e contrastes, foram desafios compreendidos a partir das experiências e de seus resultados.

Fotografar com uma câmera simples, na qual não havia um recurso para medir a luz, era romper o culto às máquinas fotográficas superpotentes, assim como uma quebra dos paradigmas estabelecidos pela necessidade de precisão. Foi um caminho para chegar a modos inusitados de produção, contando com o acaso. A falta de controle, a flexibilidade e a impossibilidade de repetir uma imagem casual permitiam trabalhos em constante mudança e construção. As experiências davam-se na hora da realização da fotografia ou no laboratório fotográfico, através do uso de solarizações, montagens, cortes, viragens em sépia, em cobre, em ouro e platina, além dos fotolitos, filmes infravermelhos e as reversões, ou depois ainda, sobre a cópia fotográfica com interferências em suas superfícies.

Cresci fazendo e pensando a fotografia. Desta forma sempre a entendi com liberdade em suas construções, sem ter que restringí-la a uma forma de representação do real, como uma simples reprodução técnica, apesar de esta sombra sempre pairar sobre ela.

Quando saí da produção íntima, caseira, para o mundo, as expressões - fotografia e as outras artes - eram divididas. Nunca me enquadrei totalmente no perfil de fotógrafa e nem de pintora, desenhista ou gravadora. O que eu fazia eram experimentações.  Sempre utilizei elementos de linguagem como parte de minhas investigações, como meio de expressão pessoal. Os riscos, borrões, manipulações, pinturas e escritas sobre a fotografia ou sobre o negativo eram pesquisas cotidianas. Também utilizei outros suportes e outras formas de impressão da imagem fotográfica como: Polaroid1, Pinhole2, Cianótipo3, Goma Bicromatada, Calótipo, Marrom Van Dick, Janótipo4, as diversas técnicas de gravura além das reproduções térmicas, como a reprografia e as fotocópias. Transitava entre as expressões. Para as artes plásticas, como a pintura e o desenho, meu trabalho era muito tecnológico, para a fotografia, ele era contaminado. Minhas imagens já eram híbridas, minha busca por uma linguagem própria levou-me a muitos procedimentos associados.

O que mais me interessa na fotografia são as múltiplas possibilidades de criação. Ainda que eu conheça a fundo as técnicas e a linguagem, ainda assim, sempre há o que experimentar, outras possibilidades de construção, outros caminhos a percorrer. Como numa progressão geométrica, quanto mais conheço, mais possibilidades encontro nela, uma curva exponencial. Este sempre foi o ponto de sedução da linguagem fotográfica. Na minha concepção a fotografia não se encerra no acabamento da cópia, pois existem sempre outras alterações as quais podem ser feitas e que permitem a incorporação de outras significações. Abordo a fotografia como a poética central de meus trabalhos, mas estes procedimentos estendem-se, também, às outras expressões, principalmente quando estas se articulam em construções híbridas, permitindo ir além da própria linguagem.

Algumas séries constituem-se de fotografias sem interferências, como Border. Outras nascem de recortes, colagens ou pinturas sobre as fotografias, como A Representação da Mulher Gorda Nua na Fotografia. No caso de Fotos em Conserva, as fotografias são transformadas em objetos-cenários e abordam questões como o espaço e a aparência. Tudo depende do sentido dado à obra.  São muitas as possibilidades de construção a partir da imagem fotográfica: pintar, colar, montar, desenhar ou construir sobre-entre-com ela.

Trato as fotografias como imagens múltiplas e livres para que existam em seus percursos fluidos, efêmeros e multiplicadores. Imagens que se constroem e reconstroem indefinidamente. Penso num resultado que pode ir muito além do instante fotografado e pode ocorrer sobre uma mesa onde as imagens em construção passam por várias transformações.

Utilizo,  na fotografia,  referências visuais de áreas diversas, incorpo-rando a ela procedimentos plásticos, como colagens, interferências, anotações, desenhos, pinturas e retoques direto nas cópias ou sobre os negativos, além das manipulações realizadas nos laboratórios fotográficos. Estes procedimentos foram utilizados por diversos artistas que afetaram meus trabalhos. Assim, construí a minha poética, conectada com o que acontecia pelo mundo, pela antena de meu pai e, depois, pelas minhas próprias investigações.

   Quando as expressões fundem-se, passam a ser parte do mesmo trabalho, perdendo, assim, os significados de suas diferenças essenciais de produção. Para mim, tudo é fotografia, fotografia entendida como linguagem expandida, incluindo aí movimentos com o corpo, cinema, desenho e outras expressões. Entendo isto como a forma de pensar e produzir o meu trabalho, como penso e faço arte.

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1. Polaroid - fotografia positiva direta.

2. Pinhole - Câmera fotográfica construída artesanalmente com caixas ou latas, onde o diafragma é um buraco de alfinete.

3 ianótipo, Goma Bicromatada, Calótipo, Marrom Van Dick - técnicas de fotografia utilizadas no século XIX. Realiza-se a mistura de químicas com gomas e  emulsiona-se o papel com o material foto-sensível para realizar cópias fotográficas a partir do contato com o negativo. Em geral, estas sensibilizações são realizadas à luz do sol e sua revelação acontece com vários banhos de água. Técnicas de fazer fotografias artesanalmente. Processos históricos.

4. Janótipo: Técnica inventada por um grupo de fotógrafos em 1988 em um curso sobre as técnicas do século XIX, realizado durante o Festival de Inverno da UFMG em São João Del Rey. Consiste na mistura das técnicas goma bicromatada e cianótipo. O nome Janótipo é uma homenagem a um dos fotógrafos do grupo que realizou a mistura e a primeira impressão, Jean Guimarães. Além de Jean, faziam parte deste grupo, Rosângela Rennó, Rochelle Costi, Fernanda Magalhães e outros.